Os impactos da PEC dos Precatórios no pagamento

Atualizado em 18 de março de 2022 por Flávia

Com a aprovação, em segundo turno na Câmara, do texto-base da PEC 23-2021 — a PEC dos Precatórios — já podemos avaliar de forma mais clara os possíveis impactos no prazo de pagamento.

Apesar de ainda precisar passar por dois turnos no Senado, a não ser que sejam incluídas algumas emendas, pouca coisa deve mudar. Isso nos possibilita uma análise com base nos números atuais para projetar como o cenário afetará os credores. Já podemos prever que a situação atual é aterrorizante. Acompanhe os detalhes!

PARCELAMENTO DE PRECATÓRIOS

Aqui no blog, sempre falamos sobre a possibilidade de parcelamento dos precatórios quando não há espaço no orçamento para o acerto integral. Porém, parcelar era a versão original do texto, enviado pelo Ministério da Economia. Na redação atual, não há qualquer menção a respeito do parcelamento desses débitos, a não ser os precatórios do FUNDEF.

Dessa forma, entende-se que as dívidas que ficariam de fora não seriam parceladas e sim postergadas para pagamento no ano posterior. Ou quando houvesse espaço no orçamento.

NOVAS PRIORIDADES

Além das preferências definidas por lei — pessoas acima de 60 anos, deficientes e portadores de doenças graves — a PEC criou uma nova prioridade: os precatórios do FUNDEF.

Assim, a ordem de pagamento como conhecemos mudaria. A organização atual é: RPVs, prioridades por lei, precatórios alimentares e precatórios comuns. Com a PEC dos Precatórios, os débitos do FUNDEF, que são de natureza comum, passariam à frente dos precatórios alimentares.

Agora existe uma definição mais clara sobre a divisão e destinação dos valores entre municípios, estados e servidores da educação. Ficou estabelecido que uma parte desses precatórios teria características do tipo alimentar o que, de certa maneira, justifica a prioridade desses ativos.

Então, a nova ordem seria a seguinte: RPVs, prioridades por lei, precatórios do FUNDEF, precatórios alimentares e precatórios comuns.

PRECATÓRIOS DO FUNDEF

A proposta da PEC dos Precatórios mantém o parcelamento apenas de uma parte dos créditos, que hoje são cerca de 100, considerando estados e municípios. O acerto de contas funcionaria assim: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos anos posteriores, finalizando o pagamento em três anos.

Só que essas dívidas representam grande parte do “estouro” do valor de precatórios, pois totalizam quase R$19 bilhões! Ou seja, o impacto na LOA 2022 seria de R$7,6 bilhões. E o efeito seria enorme para quem tem precatórios comuns — principalmente os alimentares, que tinham uma certeza maior de pagamento.

PRECATÓRIOS NÃO PAGOS

Essa é a maior incógnita do texto-base, uma vez que não há referências claras de como seria o pagamento desses precatórios. E eu explico o porquê. Sem o parcelamento e o limite máximo de valor, os credores precisam ficar de olho nos seus créditos. Afinal, a data de expedição será o “fator de desempate” para o pagamento integral.

De acordo com a PEC dos Precatórios, após quitar as prioridades o ritmo segue normal, respeitando o novo limite estabelecido. No entanto, para quem é credor de precatório federal, o curso normal é o pagamento de todos os precatórios sem distinção de data, valor ou preferência (comum ou alimentar).

Pois bem! Para entender como seria este acerto, temos que olhar estados ou municípios com pagamentos em atraso. No caso desses devedores, primeiro vêm as prioridades para aquele ano e depois a época de apresentação. Ou seja, conforme a data em que o precatório foi expedido e entrou na fila para o acerto de contas.

Assim, um precatório alimentar de R$1 milhão, por exemplo, expedido no dia 10 de fevereiro de 2020, seria pago de forma integral antes de um precatório de R$70 mil expedido em março.

Desse modo, os próximos na fila seriam precatórios alimentares com expedição a partir de 2 de julho de 2020. E se o seu benefício não for pago em 2022, passa para 2023, tendo prioridade na quitação.

PRAZO DE PAGAMENTO

Se você chegou até aqui, já sabe que a data de expedição é um fator decisivo. Agora vem a interpretação do que se chama de prioridade no pagamento. Há dois possíveis entendimentos:

  • Precatórios não pagos em 2022 têm preferência sobre todos os precatórios em 2023, incluindo as prioridades (RPVs, prioridades por lei, FUNDEF)
  • Precatórios não pagos em 2022 têm preferência apenas sobre os expedidos em 2023, retirando as prioridades.

 

Ao olhar novamente para estados e municípios, a segunda opção é a mais provável, a não ser que o texto atual seja melhor definido. Então, os precatórios que deixaram de ser pagos em 2022 entrariam somente após as prioridades. E esse é um cenário bem preocupante.

Aliás, a primeira opção não seria muito melhor. Os precatórios de 2022 seriam pagos com apenas um ano de atraso, mas pessoas idosas e com doenças graves teriam que esperar ao menos um ano a mais. O tempo dependeria de quantos precatórios seriam pagos nos anos posteriores.

BOLA DE NEVE

“Não parece ser tão ruim assim”. Provavelmente, é o que diria um credor de Requisição de Pequeno Valor expedida em junho de 2021. Mas não só é muito ruim, como cria uma bola de neve gigantesca.

Vamos considerar que o valor para 2022 seria em torno de R$45 bilhões e quase 90 foram expedidos. Então, para 2023 ficaria o equivalente a R$45 bilhões, mais a correção monetária pela Selic.

Fazendo um exercício de futurologia e colocando a Selic a 10%, o que não é irreal, já que para controlar a inflação esse aumento teria que ser bem rápido, o valor passaria para quase R$50 bilhões. Isso, por si só, já jogaria o pagamento de alguns precatórios de 2022 para 2024.

Porém, para 2023, há também R$20 bilhões de RPVs (considerando o valor atual projetado para 2022), além das prioridades dos precatórios expedidos no ano que vem. Sem contar os 30% do FUNDEF e 40% de novos precatórios do FUNDEF que serão expedidos. Apenas esses valores já trazem uma projeção bem próxima a R$40 bilhões.

Desse modo, precatórios não pagos em 2022 poderiam ter o pagamento adiado em 2023 também. E como a expedição é contínua, tampouco seriam pagos em 2024, 2025 ou 2026, que seria o ano de término dos novos limites estabelecidos para a quitação dos créditos.

Assim, o pagamento de precatórios previstos para 2022 pode ocorrer apenas em 2027. Você não leu errado, 2027 mesmo. São 5 anos após o prazo previsto. Considerando a soma de precatórios expedidos em 2021, R$40 bilhões, como uma média anual, poderíamos chegar em 2027 com quase R$500 bilhões em precatórios à espera do acerto de contas. 

ACORDO FORÇADO

Assim, credores que já esperam há anos por seus processos, têm duas alternativas para antecipar o pagamento: acordo direto ou venda de precatórios.

Segundo a PEC, o acordo não teria valor máximo por ano a ser pago, como ocorre com estados e municípios. Vale lembrar que na redação atual da Constituição, art. 102 do ADCT, está previsto que o valor pago em acordos deve ser no máximo igual ao valor pago em ordem cronológica.

Com base no modelo dos estados e não de “dinheiro infinito”, esse valor seria de no máximo R$45 bilhões, o que por si só poderia não alcançar todos os precatórios. Afinal, as dívidas de 2023 também teriam a chance de entrar neste acordo. Mas desconsiderando isso, ainda não temos bem definidas as regras para esse acordo.

A única certeza é que o valor a ser pago seria de no máximo 60%. Porém, não há um prazo definido por lei. Não sabemos se o pagamento será em 6 meses, 1 ano ou 2, ou até mesmo se será efetuado. Em São Paulo, por exemplo, a demora é de aproximadamente 2 anos para precatórios que entraram em acordo. 

VENDA DE PRECATÓRIOS

Quem não quer esperar, nem correr o risco de esperar muito tempo, por estar precisando do dinheiro, pode recorrer à venda dos seus precatórios. Pelo que se paga hoje em dia — entre 60% a 80% do valor líquido — seria um bom negócio, certo?

Então…

Teríamos dois problemas aqui: a lei da oferta e demanda, bem como o retorno do investidor.

Com a eventual aprovação da PEC, a tendência é que mais pessoas vendam seus precatórios. Então, essa enxurrada de vendedores faria com que o valor pago aos credores diminuísse. Afinal, não teria tanto dinheiro para comprar os créditos, considerando que alguns dos compradores poderiam deixar de atuar neste mercado.

E, como se não bastasse esse cenário já ruim, ele tende a ficar pior.

Como a expectativa de espera pelo pagamento aumenta, isso impacta no retorno anual do investidor. Cada fundo tem sua “meta” de retorno anual. Se o prazo para pagamento passasse de 1 ano para 5 ou então de 1 para 3 — e se o comprador fizesse uma negociação— o valor pago seria um reflexo desse cenário.

Diante disso, o valor dos precatórios federais cairia bastante. É quase uma previsão da Mãe Diná, ou para os que não ouviram falar dela, um chute. Esse valor poderia passar para quase metade do montante atual — indo para algo entre 30% e 40%.

Sabe aquela expressão “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”? Pois é assim que os credores vão se sentir caso a PEC dos Precatórios passe pela aprovação.

vender precatório

Conclusão

Nossa intenção não é causar medo nos credores, apenas mostrar as possibilidades com a aprovação da PEC dos Precatórios. Tampouco pensamos que o Auxílio Brasil, Bolsa Família ou qualquer programa de assistência social não deva existir. Muito pelo contrário. Isso faz com que o Brasil melhore como um todo. Mas será que a solução está nos precatórios? Em prejudicar milhares de credores com o objetivo de melhorar a vida de outros milhões de pessoas?

Enfim, o prejuízo não seria apenas para empresas e compradores milionários, mas também para pensionistas que têm valores a receber. Quem recebe benefício de assistência social, o LOAS, sentiria o impacto. Milhares de beneficiários podem estar cheios de empréstimos a pagar e aliviariam as contas ao receber seus precatórios. Sem contar aqueles que estão sofrendo mais pelo aumento da inflação no último ano no Brasil.

Seja como for, temos que esperar o final das votações da PEC dos Precatórios para ver se algo mudará no Senado ou se haverá rejeição. Da forma como está, a mudança não traz pontos positivos. Infelizmente.

Quer saber mais sobre o tema? Confira, na íntegra, o vídeo com a nossa entrevista para a CNN.

Breno Rodrigues

Breno Rodrigues

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2 comentários

    • José,

      Para o auxílio Brasil será necessária a aprovação de alguma PEC. Então mesmo que o Senado rejeite esta proposta, outra proposta, que pode ou não envolver precatórios, deverá ser votada.

      Espero ter ajudado 🙂

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