Você certamente já está ciente de que o governo federal propôs um novo regime fiscal sustentável – o arcabouço fiscal, substituindo o teto de gastos atualmente esgotado. Esta proposta está em discussão no formato Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/23.
Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/23
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/23, que visa estabelecer o novo regime fiscal do Brasil, será analisado pela Câmara dos Deputados. Este projeto visa substituir o atual teto de gastos, conforme estipulado pela Emenda Constitucional 126. Esse sistema de controle das contas públicas proposto pelo governo federal é crucial para a sustentabilidade fiscal a médio e longo prazo.
Este novo regime fiscal pretende proporcionar flexibilidade para se adaptar a diferentes ciclos econômicos e políticos. Além disso, a proposta sugere um sistema de bandas (piso e teto) para o resultado primário, que será definido anualmente na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e critérios para a correção das despesas públicas.
De acordo com a proposta, as despesas dos poderes e órgãos federais aumentarão anualmente de acordo com a inflação oficial, sendo calculadas com base na inflação verificada entre janeiro e junho e projetada entre julho e dezembro. Notavelmente, algumas despesas, como mínimos constitucionais para saúde e educação, créditos extraordinários e precatórios, ficarão fora do teto e poderão crescer acima da inflação.
Ademais, a proposta prevê que cada presidente, no primeiro ano de mandato, estabelecerá na LDO critérios para o crescimento real (acima da inflação) das despesas durante seu governo. Assim, o projeto estabelece um critério para o período de 2024 a 2027, com base na variação da receita.
A proposta também define metas fiscais, que serão fixadas na LDO com intervalos de tolerância (piso e teto) de 0,25% do PIB. Em caso de descumprimento da meta fiscal, o presidente da República deverá explicar ao Congresso Nacional até 31 de maio do ano seguinte, embora isso não acarrete responsabilização ou sanções.
O PLP 93/23 propõe ainda alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal, tornando o contingenciamento facultativo, a fim de evitar interrupções em políticas importantes devido a frustrações pontuais de receita.
Para assegurar investimentos públicos contínuos, a proposta estabelece que os fundos para investimentos públicos e inversões financeiras para programas habitacionais não serão inferiores ao valor programado no Orçamento de 2023, corrigido pela inflação anualmente.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), planeja votar o projeto do novo arcabouço fiscal até maio, sujeito à aprovação do regime de urgência pelos líderes partidários.
Assim, temos que a proposta do PLP 93/23 apresenta uma visão estratégica para a sustentabilidade fiscal do Brasil, mas o seu impacto na economia e na sociedade só será percebido após a sua implementação.
Os precatórios federais foram incluídos no arcabouço fiscal?
Uma falha imperdoável no texto sob análise é o silêncio em relação ao pagamento total dos precatórios federais.
Com as ECs 113 e 114, o sistema de pagamento de precatórios federais passou por grandes mudanças. Elas instauraram um subteto, no qual qualquer valor excedente ao pago no ano anterior seria repassado para o próximo, somado aos precatórios regulares anuais. Este cenário criou uma bola de neve financeira que aumenta anualmente, mas está programada para acabar em 2026, ano das próximas eleições gerais.
Aqui está o aviso: há uma oportunidade única para desfazer essa bola de neve com o PLP 93/23, já que está na agenda de votações desta semana da Câmara dos Deputados. Perder essa chance pode trazer sérias complicações futuras.
A solução é bastante simples: é só incluir o valor dos precatórios que a União precisa pagar entre as exceções.
O texto em votação, proposto pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), não abordou os precatórios nesse aspecto, causando grande confusão e gerando notícias imprecisas na imprensa.
A proposta em questão, porém, apresenta duas exceções (incisos VI e VII, parágrafo 2º, artigo 3º). No inciso VI, estão excepcionadas as despesas para cumprimento do disposto em dois artigos da Constituição Federal, referentes a um dos muitos parcelamentos de precatórios, o que é diferente do caso em debate.
No inciso VII, estão as despesas para cumprimento de outras partes da Constituição Federal, que regulam o uso de precatórios para investimentos e descontos em compra de imóveis ou pagamentos de outorgas. Embora seja importante, essa exceção é apenas uma pequena válvula de escape do sistema.
Agora é a hora de usar essa oportunidade legislativa para excluir todo o sistema de pagamento de precatórios dos limites impostos pelo arcabouço fiscal.
Existem muitos argumentos jurídicos a favor disso: 1º são despesas não discricionárias do Poder Executivo, diretamente impostas pelo Judiciário; 2º não podem ser contingenciadas; 3º são previsíveis e são incluídos na proposta de lei orçamentária com antecedência; 4º são ordens judiciais; 5º tecnicamente, são dívidas, não despesas, apesar do que o artigo 30, parágrafo 7º, da LRF define; e 6º explodirão em 2026, conforme estipulado pelas ECs 113 e 114, na véspera das eleições gerais.
A frase “perda de uma chance” implica a responsabilidade por perder uma oportunidade que poderia ter se realizado ou não, mas que nunca foi tentada. A responsabilidade jurídica nessa situação é bem documentada, mas neste caso, a responsabilidade é política perante os eleitores, que estarão atentos a este tópico em 2026, independentemente de serem ou não afetados ao longo do caminho.
A prudência aconselha a aproveitar esta oportunidade e incluir a questão dos precatórios no PLP 93/23 agora, permitindo que o Congresso decida.
Portal da Transparência irá revelar detalhes do Mercado de Precatórios
Em paralelo ao arcabouço fiscal, o governo federal planeja disponibilizar no Portal da Transparência detalhes completos sobre a negociação de precatórios. Esse anúncio surge após a consulta pública, que será realizada na segunda-feira, 29 de maio, para discutir a nova normativa governamental sobre a utilização desses créditos para o pagamento de outorgas.
Informações sobre a chamada “cadeia dominial” permitirão aos interessados identificar quais bancos e empresas detêm a fatia de R$ 141 bilhões em precatórios atualmente em circulação no mercado, esperando a regulamentação para serem utilizados em outorgas públicas. A aprovação da PEC dos Precatórios em 2021 deu impulso ao mercado desses créditos. Contudo, em março, a Advocacia Geral da União (AGU) revogou a portaria que regulamentava o uso dos precatórios, estabelecendo um grupo de trabalho para regulamentar a questão.
Jorge Messias, Ministro da Advocacia Geral da União, comentou que “o governo anterior desrespeitou duas instituições da República, o Zé Gotinha e os precatórios nacionais”. Segundo ele, a aceitação do acordo proposto pela PEC ocorreu porque havia interesse no mercado, mas agora é necessário reavaliar os critérios utilizados.
O Ministro espera que as novas regras estabeleçam um limite de uso dos precatórios de até 50% das outorgas. Adicionalmente, será importante considerar as garantias oferecidas aos outorgantes para evitar disputas judiciais ou administrativas. Segundo Messias, a quantidade de precatórios usados respeitará o edital de cada outorga e as necessidades projetadas do Tesouro Nacional para cada ano.
Dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal indicam que, sob as regras atuais, a dívida de precatórios pode atingir R$ 500 bilhões até o final do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse passivo financeiro incentivará a AGU a propor, por meio desse novo ato normativo, uma revisão da PEC dos Precatórios.