Ao longo dos últimos meses, preparamos uma série de artigos tratando da PEC dos Precatórios. O objetivo da proposta é alterar as regras para o pagamento dos títulos, o que tem provocado muito debate.
Aliás, a chamada PEC do Calote pode ser a maior alteração nas regras de precatórios desde a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988. E esta não é a primeira vez que o governo federal tenta emplacar um calote, adiando o pagamento de dívidas e frustrando a expectativa dos credores.
Em nota recente, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) relembrou outros seis episódios semelhantes. No artigo de hoje, vamos relembrar algumas dessas tentativas de calote e seus desfechos. Boa leitura!
Constituição determina prazo para pagamento de precatórios
Antes de falar sobre as sucessivas tentativas de calote, vale rever como são os prazos para pagamentos de precatórios federal, estadual e municipal.
Quem define as regras é a Constituição, de acordo com o modificado art. 100! Em um cenário ideal, em que tudo são flores e corre como planejado, os títulos seriam passam pelo acerto de contas a partir dos seguintes critérios:
- Precatórios expedidos até o dia 1º de julho de um ano são pagos no ano seguinte até o dia 31 de dezembro;
- Precatórios expedidos após o dia 1º de julho são pagos no ano subsequente, com prazo até o dia 31 de dezembro daquele ano.
A partir dessa regra simples, os precatórios entram em uma fila, que segue uma ordem cronológica e preferencial Assim sendo, todos os credores deveriam receber seu direito dentro do planejado.
Todavia, infelizmente, sabemos que não é bem assim. Precatórios estaduais e municipais, principalmente, enfrentam longos anos de atraso. Isso se deve à fragilidade econômica desses entes, além de uma boa dose de desorganização.
Nesse sentido, os precatórios federais eram os únicos que respeitavam à risca as regras de pagamento. Porém, não por muito mais tempo!
OAB lista seis tentativas de calote do governo desde a Constituição
Diante das crises econômicas e da dificuldade de arcar com seus compromissos ao longo dos anos, o governo tentou mudar as regras constitucionais muitas vezes. Ou seja, alterar o prazo para o pagamento dos precatórios não é novidade. E em bom português, é calote!
Outra palavra mais rebuscada para esse adiamento é moratória, que nada mais é do que tornar moroso, lento ouadiar um pagamento. Então, vamos relembrar seis momentos em que o Brasil flertou com um calote generalizado em suas dívidas.
1ª tentativa de calote: promulgação da Constituição de 1988
Não há dúvidas de que o maior marco da história política do Brasil foi a promulgação de sua Constituição, que nos rege e guarda desde 1988.
Porém, como forma de pacto, no próprio ato de decretação da Constituição houve uma redefinição de precatórios atrasados. Isso levou a uma reformulação para que o pagamento fosse feito em prestações durante os oito anos seguintes, contando a partir de 1989.
2ª tentativa de calote: Emenda Constitucional nº 30/2000
Nos anos 2000, uma emenda constitucional tentou alongar os prazos para liquidar precatórios atrasados. Ações julgadas até 31 de dezembro de 1999 poderiam ser pagas no prazo máximo de 10 anos e em parcelas anuais. Porém, RPVs e precatórios alimentares seriam exceção.
A EC nº30/2000 foi impugnada pela Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com a OAB, tal alteração era inconstitucional. E 21 anos depois, o julgamento do mérito dessa questão ainda seguependente.
3ª tentativa de calote: Emenda Constitucional nº 62/2009
Ainda estava em debate no STF o pedido liminar de suspensão das alterações da EC nº 30/2000, devida à sua inconstitucionalidade. Mesmo assim, em 2009, a Emenda Constitucional nº 62 alterou novamente as regras do art. 100 da Constituição. Assim, o prazo de parcelamento dos precatórios aumentou em mais 15 anos!
Como não poderia deixar de ser, a OAB ajuizou nova Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4357). Para a Ordem, as novas regras representavam calote, além de ofender os direitos dos credores.
Dessa vez, o Supremo reconheceu a vitória da OAB. Portanto, a EC nº 62 foi considerada inconstitucional e perdeuefeito. Apesar disso, a vitória durou pouco…
4ª tentativa calote: EC nº 94/2016 e EC nº 99/2017
Apesar de passar por um período de progresso, a economia brasileira voltou a dar sinais de crise em 2016, alavancada, também, por uma crise política. Com isso, entes federativos começaram a manifestar dificuldade paraquitar precatórios atrasados. E a bola de neve das dívidas aumentou.
As soluções encontradas foram novas alterações nas regras de pagamento dos precatórios, com as EC nº 94 e 99.
A EC nº 99/2017 teve apoio da OAB, que considerou tal emenda um esforço coletivo tanto do executivo como do judiciário a fim de estabelecer uma solução para o crescente estoque de precatórios atrasados de estados e municípios.
Além de reafirmar o regime especial de precatórios criado pela EC nº 94, a EC nº 99 determinou que valores percentuais mínimos da receita líquida corrente deveriam ser resguardados para o pagamento das dívidas. Tambémajustou o limite para o pagamento de títulos atrasados em cinco anos, sendo o novo prazo 31 de dezembro de 2024.
5ª tentativa de calote: Emenda Constitucional nº 109/2021
O que já era muito ruim do ponto de vista financeiro, piorou ainda mais com a pandemia de Covid-19. A crise econômica se agravou, enquanto os compromissos com precatórios foram os primeiros a sofrer cortes no orçamento.
Mais uma vez, quem pagou o pato foram os credores. Afinal, a nova EC postergou o prazo para pagamentos de precatórios de 2024 para 2029!
A PEC emergencial, como ficou conhecida a EC nº 109/2021, tinha o objetivo de abrir espaço no caixa do governo federal para criar um novo auxílio emergencial. Para tanto, o governo precisava deixar de lado as obrigações com as linhas de créditos da EC nº 99/2017.
Essa EC, que também segue em debate no Supremo (ADI 6805), abriu as portas para a mais recente tentativa de calote em precatórios.
6ªtentativa de calote: PEC 23/2021, a PEC do Calote
Embora receba o nome de “PEC dos Precatórios”, a PEC nº 23/2021 merece o título que lhe foi concedido de PEC do Calote.
Ao longo dos últimos meses, tratamos a proposta como a maior alteração dos últimos 30 anos, desde a redemocratização. Isso porque as mudanças que essa PEC propõe irão afetar os credores de precatórios federais. Até então, eles recebiam seus créditos em dia.
A possibilidade de parcelar os títulos, além da imposição de um teto de pagamento anual baseado na porcentagem da receita líquida corrente, é desastroso para os credores. E traz uma enorme insegurança para o mercado.
Atualmente, a PEC dos Precatórios está na CCJ do Senado e aguarda aprovação do texto base. Se passar, a proposta vai ao plenário para ser apreciada em dupla votação.
Portanto, de todas as tentativas de calote ao longo de 30 anos, a PEC dos Precatórios é, sem dúvida, a de maior impacto. Por isso, é muito importante que o credor entenda as alterações propostas por essa Emenda Constitucional. Afinal, ela poderá afetar os seus direitos.
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