O QUE É AÇÃO RESCISÓRIA?
No Brasil, “transitar em julgado” é uma expressão jurídica que significa que já se acabaram todos os prazos para recorrer de uma decisão. Assim, uma decisão “transitada em julgado” torna-se definitiva e não cabendo mais recursos. Entretanto, a ação rescisória pode representar uma exceção ao trânsito em julgado, permitindo que uma questão jurídica já encerrada seja discutida novamente.
O Transitado em Julgado e a Segurança Jurídica
O trânsito em julgado representa uma ideia fundamental para todo o sistema jurídico, pois confere segurança a quaisquer relações jurídicas. O princípio da segurança jurídica confere estabilidade à estrutura jurídica brasileira. Garantindo assim que todos conheçam como funciona o sistema estabelecido. Ou seja, não se trata de impedir que a legislação sofra alterações, mas de impedir que essas ocorram de forma arbitrária, prejudicando todos que utilizam a justiça.
Uma das implicações do princípio da segurança jurídica é a exigência de que existam normas claras sobre quais condutas são permitidas e quais são proibidas. Dessa forma, sem contar questões mais específicas (como detalhes sobre normas tributárias), todos os cidadãos conhecem no geral as regras que organizam o Estado brasileiro. Não seria aceito, por exemplo, que uma pessoa alegasse que ignorava ser proibido assassinar outro indivíduo ou que não sabia que deveria declarar seu Imposto de Renda, anualmente.
Outra implicação importante do princípio da segurança jurídica é a regra geral da irretroatividade da lei. Assim, tirando exceções, uma nova lei só passa a ter efeitos depois que entra em vigor. Como exemplo, vamos imaginar que uma lei estipulasse uma multa de R$ 1.000,00 para uma pessoa que jogasse lixo na rua. Um indivíduo não poderia ser punido por ter praticado esse ato dois anos antes da criação da lei. Se isso fosse possível, todos os cidadãos viveriam permanentemente em estado de incerteza, sem saber o que podem ou não fazer.
Por fim, o trânsito em julgado está intimamente relacionado ao princípio da segurança jurídica. Um processo jurídico passa por diversas fases e movimentações, permitindo a utilização de recursos de diversas naturezas. Não haveria sentido se, ao final de todo o processo, ouvidas todas as partes e apresentadas todas as provas, não existisse confiança na decisão final. Dessa forma, esgotados todos os prazos e não existem mais recursos a serem apresentados, a sentença final torna-se definitiva.
Exemplo
Vamos ilustrar a questão, mais uma vez, com um exemplo: dois indivíduos envolvem-se em uma disputa judicial por um acidente de carro. Depois do julgamento, um deles tem reconhecido seu direito a uma indenização de R$ 5.000,00. É evidente que, uma vez finalizado o processo e recebido o valor, esse indivíduo terá todo o interesse em utilizar o valor recebido. Não faria sentido, portanto, que o mesmo permanecesse na incerteza se no futuro a decisão final poderia ser revista. Abrindo a possibilidade para que o dinheiro tenha que ser devolvido.
E o que tudo isso tem a ver com a ação rescisória?
A ação rescisória representa uma exceção ao trânsito em julgado, permitindo uma nova discussão de uma questão já encerrada.
A Ação Rescisória
O capítulo VII do Novo Código de Processo Civil (NCPC) trata da ação rescisória, estabelecendo os principais procedimentos relacionados ao instrumento. A análise dos cenários em que é possível utilizar a ação permite entender o motivo da criação desse mecanismo. Vale ressaltar que o artigo 966 do NCPC prevê os oito únicos cenários em que é cabível uma ação rescisória. Nesse sentido, vamos destacar três delas, para facilitar a compreensão do mecanismo.
Assim, o inciso I do artigo 966 admite a utilização da ação rescisória quando a decisão tiver sido originada de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. Ou seja, se o juiz tiver praticado um de seus atos oficiais para atender a interesses pessoais (prevaricação), tiver exigido (concussão) ou solicitado (corrupção passiva) uma vantagem indevida. Assim sua decisão poderá ser questionada mesmo após o trânsito em julgado.
Entenda melhor
Um exemplo: se o juiz solicitou a uma das partes no processo algum benefício econômico ou político, valendo-se de sua posição como julgador na disputa. Nesse caso, presume-se que não é possível confiar na imparcialidade de sua decisão, que deve ser revista.
Outra hipótese diz respeito às decisões tomadas com base em provas falsas. Nesse caso, se for percebido que a prova é falsa, torna-se necessário que a decisão seja analisada novamente. Um exemplo desse caso é percebido em uma disputa sobre limites de propriedades. Se a decisão judicial levar em consideração documentos imobiliários falsificados, é evidente que suas conclusões podem não representar o resultado mais justo.
Por fim, vale ressaltar a hipótese do inciso VII. Nesse caso, é possível a rescisão se o autor do processo obtiver uma “prova nova” após o trânsito em julgado. Ou seja, se existir um elemento capaz de modificar as análises, ele deveria ser levado em consideração para a decisão.
Digamos, por exemplo, que uma das partes ocultou um documento que garantiria sua derrota no processo. Se a parte adversária obtiver esse documento, ainda que posteriormente ao trânsito em julgado, poderá questionar a decisão judicial.
Como funciona?
Ainda que a ação rescisória represente uma exceção às regras gerais do instituto da segurança jurídica, ela também possui limites. Dessa forma, não seria plausível que, mesmo em hipóteses extraordinárias, toda e qualquer decisão pudesse ser revista a qualquer tempo.
Dessa forma, o NCPC determinou que só é possível iniciar uma ação rescisória em um prazo máximo de dois anos, a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (artigo 975). Uma exceção é aplicada aos casos de descoberta de prova nova. Nessas situações, o prazo de dois anos é contado a partir da descoberta da prova.
Assim, a lei brasileira reconhece a possibilidade de casos extraordinários em que sentenças transitadas em julgado merecem uma nova análise. Ao mesmo tempo, consegue resguardar a segurança jurídica das relações, mesmo nessas exceções.
Por fim, vale ressaltar que não é possível que quaisquer pessoas questionem quaisquer decisões. A lei determina expressamente quem está autorizado a utilizar o instituto da ação rescisória. Em primeiro lugar, ficam autorizadas as partes e seus sucessores. Além disso, é permitido o ajuizamento pelo “terceiro juridicamente interessado” (cujo interesse será analisado pelo juiz, em cada caso). Em seguida, fica autorizada a atuação do Ministério Público, em alguns casos. Finalmente, os indivíduos que deveriam obrigatoriamente ter participado do processo original, mas não foram ouvidos.
O que tem a ver a Ação rescisória com Precatórios?
Os precatórios representam um regime especial de pagamentos destinados aos entes públicos. São originados de decisões judiciais que reconhecem dívidas do governo. Nesse sentido, estão sujeitos às mesmas regras gerais devendo obedecer aos princípios da segurança jurídica e do trânsito em julgado. Dessa maneira, se uma das partes perceber a existência de uma das hipóteses que autorizam a utilização de uma ação rescisória, este será o instrumento legal cabível para a revisão da sentença transitada em julgado.
Na petição 1.347-SP, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal recebeu uma ação rescisória contra decisão que condenava o estado de São Paulo. A alegação foi que o autor venceu o processo devido a superavaliação (relacionado aos valores de mercado) da área questionada.
Assim,estudar a ação rescisória é importante para esclarecer a única hipótese de revisão de uma sentença transitada em julgado. Quaisquer pessoas interessadas em conhecer os aspectos gerais relacionados à justiça brasileira deveria conhecer este instrumento.
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