Mesmo quando uma nova gestão começa, os velhos desafios persistem. O problema da bomba fiscal no déficit do pagamento de precatórios é um exemplo disso. Além de ser urgente, tem tirado o sono do governo eleito.
Com as mudanças nas regras para quitar os precatórios federais — especialmente a EC 114/2021 que impôs um limite anual — a preocupação é com o efeito bola de neve. Afinal, o que fica sem pagamento agora, em algum momento, deverá ser quitado.
Por isso, o governo Lula estuda soluções para a questão, a qual considera complexa, já que não se trata apenas de revogar a regra antiga. As contas públicas estão em frangalhos, enquanto a União precisa de uma solução criativa para conter o rombo do orçamento. Quer entender melhor o assunto? Continue conosco!
O que é a EC 114/2021?
Primeiramente, é importante relembrar as mudanças no texto constitucional promovidas pela EC 114/2021 — popularmente conhecida como PEC do Calote. Mas por que calote? O próprio apelido já antecipa um pouco uma das polêmicas alterações dessa emenda.
O governo Bolsonaro precisava de dinheiro em caixa para promover o governo durante as eleições. O déficit era grande, com queda na arrecadação, o que impossibilitava gastos e investimentos no último ano. Além disso, havia a expectativa de apresentação de um novo auxílio Brasil, para o qual não havia recurso disponível.
Com um estoque enorme de precatórios a pagar, a solução encontrada para aumentar o volume de caixa do governo foi alterar as regras de pagamento desses créditos. Portanto, a forma foi criar uma maneira de desobrigar o poder público federal de pagar todo o volume previsto de dívidas. Dá para entender o nome de PEC do Calote, não é?
Como funciona o limite para quitar precatórios?
Após intensa negociação, as ECs 113 e 114 de 2021 foram promulgadas. Uma das principais alterações foi a imposição de um limite de pagamento anual de precatórios por parte do governo federal.
É bem simples de entender! Ao invés de quitar todos as dívidas que estavam previstos para o ano, o governo passa, a partir da nova regra, a pagar os créditos até atingir um teto. Dessa forma, o restante entra na fila de pagamento do ano seguinte.
Quais os efeitos da nova regra de pagamento?
Ao observar os resultados contábeis da União no final de 2022, iremos nos deparar com um aparente resultado positivo, já que as contas públicas ficaram no azul depois de muito tempo. No entanto, o que parece bom agora acaba sendo um problema para as contas dos próximos anos, justamente pelo modo como o governo alcançou esse resultado.
Ao deixar de pagar os precatórios no final de 2022, o poder público economizou recursos e impulsionou as contas para o azul. porém, esses créditos sem pagamento são dívidas e não desaparecem só porque o governo deixou de pagar. O que não teve acerto em 2022 fica pendente para 2023 e assim sucessivamente.
Esse efeito das dívidas que vão sendo adiadas é o que chamamos de bola de neve dos precatórios. Segundo estimativa do governo atual, em 10 anos, o valor a ser quitado deve chegar a quase R$700 bilhões. Assim sendo, a economia de agora tende a ser mais cara em um futuro recente. Essa é a razão da preocupação do governo eleito.
O que fazer para amenizar a bomba fiscal?
Diante do cenário preocupante, o governo estuda soluções que possam, de forma responsável, desarmar a bomba fiscal que o aguarda para os próximos anos.
Por um lado, é preciso pagar os precatórios e deixar de acumular dívidas que só aumentam com juros e multa. Por outro, aumentar os gastos significa também elevar o risco de ficar no vermelho. De qualquer forma, o poder público busca formas para deixar de se financiar com o adiamento do acerto de contas dos precatórios.
Governo pode emitir títulos de dívida
Quando deixa de pagar suas dívidas, o que o governo está fazendo é um tipo de financiamento, como se emprestasse dinheiro a si mesmo. Pense no exemplo de uma família com dificuldades financeiras. Essa família precisa consertar um automóvel estragado, que serve como fonte de renda por meio do uso de aplicativo. Sem dinheiro, ela resolve, então, deixar de pagar algumas contas e usar os recursos para consertar o carro.
É basicamente o que o governo faz ao deixar de quitar integralmente os precatórios. O problema é que essas dívidas não desaparecem, apenas são adiadas. Além disso, as correções e juros que incidem sobre os créditos adiados fazem com que o preço pago para ter os recursos em caixa seja muito maior do que os métodos tradicionais de financiamento.
É o que explicou, em recente entrevista, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, dando a entender que o governo pode emitir títulos de dívida pública para se financiar e deixar de adiar precatórios.
Esses títulos permitem que o poder público receba dinheiro em troca de uma promessa de pagamento futura, com rentabilidade de juros. É uma das formas mais comuns de ter recursos em momentos de crise.
CNJ e AGU propõem nova gestão de precatórios
Outra solução para a bomba fiscal a curto e médio prazo vem da efetivação de uma das inovações trazidas pela EC 114/2021: utilizar precatórios como moeda — processo conhecido como encontro de contas.
De forma bem resumida, a EC 114/2021 tornou possível que uma empresa ou pessoa física que tenha um precatório a receber do governo federal possa utilizá-lo para abater uma dívida fiscal, comprar imóveis públicos, pagar outorgas de concessões, abater dívidas tributárias, entre outros.
Porém, para que esse encontro de contas seja efetivo, é necessário regulamentar e criar um sistema ágil. Desse modo, o governo sabe quanto vale o precatório que se pretende utilizar como moeda.
Esse sistema foi o tema de uma reunião entre Conselho Nacional de Justiça (CNJO e Advocacia-Geral da União (AGU). O objetivo é criar um sistema de processamento e gestão uniforme de precatórios, que possibilitará a emissão automatizada da Certidão de Valor Líquido Disponível (CVLD).
Essa certidão estava prevista na EC 114/2021 e seria uma espécie de documento rápido que informa o valor atualizado de um precatório. Com o documento, seria muito mais prático, por exemplo, realizar o encontro de contas, já que se saberia com rapidez quanto vale o crédito.
Os desafios do novo governo irão esbarrar muito na questão da bomba fiscal dos precatórios, uma vez que o estoque, tanto no âmbito federal como nos estados e municípios segue grande. Seja como for, nós continuaremos atentos a qualquer alteração que possa impactar o seu direito. Por isso, não deixe de buscar informações e acompanhar os desdobramentos dos próximos capítulos.
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