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Depósitos Judiciais e Precatórios

DEPÓSITOS JUDICIAIS E PRECATÓRIOS

70%!

Esse é o percentual de depósitos judiciais que pode ser utilizado para o pagamento de precatórios.  A possibilidade surgiu em 2015, com a Lei Complementar 151/2015. E foi posteriormente inserida no texto constitucional com a Emenda Constitucional 94/2016.  Porém desde então a controvérsia é tão grande que coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) analisar a questão.

 

Porque há polêmica?

Os depósitos judiciais são valores depositados no decorrer de um processo, como forma de garantir o pagamento por uma das partes. Em geral, são utilizados quando há risco de que o devedor não cumprirá a condenação (em outro texto, tratamos com mais detalhes as hipóteses de utilização desses depósitos).

Ocorre que, entre a realização do depósito e o efetivo pagamento do credor, há um intervalo de tempo. Isso permite que bancos e instituições financeiras não só façam aplicações com esses valores a taxas diversas, mas também os utilizem para outros fins.

Isso é possível porque as instituições financeiras operam utilizando o mecanismo da alavancagem. Em uma definição mais genérica, a alavancagem seria “o ato de operar volumes financeiros maiores que o seu próprio patrimônio”. Ou seja, quando um indivíduo realiza um depósito em sua poupança ou conta corrente, esse valor não ficará necessariamente “parado”, esperando que seu titular faça o resgate.

Os bancos possuem um patrimônio bem superior às suas necessidades diárias e ainda lidam com patrimônios de clientes. Dessa forma, os bancos podem separar uma parte dos valores depositados para eventuais saques e outras necessidades mais imediatas, utilizando o restante da forma como desejarem. Geralmente, isso significa obter retornos bem superiores aos que serão pagos a seus clientes, gerando lucros. E como funciona isso?

Por exemplo, os valores que o cliente “x” realiza em investimentos podem ser utilizados para fazer empréstimos a outros clientes a taxas maiores ou para o banco fazer outros investimentos mais lucrativos. Quando o cliente “x” solicita seu dinheiro de volta, ele é pago com o dinheiro emprestado por um outro cliente “y” e assim por diante. Em termos gerais, é assim que funciona a alavancagem bancária, o que permite que os valores depositados sofram alterações.

 

O  que a lei diz sobre depósitos judiciais para pagamento de precatórios?

 

A Lei Complementar 151/2015 determina que, em processos em que estados, Distrito Federal ou municípios façam parte, 70% dos depósitos judiciais devem ser entregues a esses entes públicos. Os valores repassados poderiam ser utilizados, entre outros, para o “pagamento de precatórios judiciais de qualquer natureza”.

Ou seja, mais da metade dos valores dos depósitos judiciais, em processos que envolvem essas entidades, poderiam ser usados também para o pagamento de precatórios. Na prática, isso se assemelharia ao mencionado mecanismo da alavancagem, pois os valores dos depósitos judiciais. Estes deveriam ficar guardados até a decisão judicial, seriam utilizados para outra finalidade nesse meio tempo – como o pagamento de precatórios.

Vale ressaltar que o STF determinou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é responsável por regulamentar os procedimentos para os pagamentos. Além disso, cabe ao CNJ monitorar para que os recursos não tenham outro destino, além do pagamento dos precatórios (embora as demais finalidades aceitas fujam ao propósito deste artigo, estão expostas no artigo 7º da lei e, obedecidos os critérios estipulados, podem incluir, por exemplo, o pagamento de dívida pública).

EC 94

O debate foi reforçado no ano seguinte, quando foi editada a Emenda Constitucional – EC 94/2016. Entre seus dispositivos, uma das alterações foi a definição dos procedimentos para a quitação, até 31/12/2020, dos precatórios que estivessem atrasados na data de 25/03/2015. Esses procedimentos seriam aplicáveis a estados, Distrito Federal e municípios, ficando conhecidos como regime especial de precatórios. Nesse contexto, a EC 94 trouxe determinação parecida com a da LC 151/2015, ao afirmar que:

§ 2º O débito de precatórios poderá ser pago mediante a utilização de recursos orçamentários próprios e dos seguintes instrumentos:

I – até 75% (setenta e cinco por cento) do montante dos depósitos judiciais e dos depósitos administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios, ou suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, sejam parte;

II – até 20% (vinte por cento) dos demais depósitos judiciais da localidade, sob jurisdição do respectivo Tribunal de Justiça, excetuados os destinados à quitação de créditos de natureza alimentícia(…)” (grifos nossos)

 

Assim, surgiram duas possibilidades:

 

Embora os percentuais e detalhes da lei possam parecer complexos, a informação mais importante a que devemos nos atentar é a permissão para que depósitos judiciais sejam utilizados no pagamento de precatórios.

 

A Polêmica

A autorização dada pela EC deu origem a debates e mesmo ao questionamento de sua constitucionalidade. Ou seja, foi necessário analisar se os dispositivos contrariavam ou não a Constituição Federal. Essa decisão é tomada pelo STF e o instrumento legal para o questionamento é a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI). Assim, a ADI 5679 foi iniciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Antes de tudo, saiba que o objetivo de uma Emenda Constitucional é modificar o texto da Constituição ou acrescentar algo novo. Entretanto, existem limites para as modificações, pois a própria CF/88 prevê que algumas de suas partes são intocáveis – as cláusulas pétreas (é possível aumentar esses direitos, nunca diminuí-los).

A PGR não concordou muito

 

Assim, a PGR afirmou que a EC 94/2016 não seria possível porque ofenderia não só o princípio da divisão das funções estatais, mas também direitos e garantias individuais. Vamos tentar entender o que isso significa.

Em um trecho de sua argumentação, o então Procurador-Geral afirmou:

Destinar recursos de terceiros, depositados em conta à disposição do Judiciário, à revelia deles, para custeio de despesas ordinárias do Executivo e para pagamento de dívidas da fazenda pública estadual com outras pessoas constitui apropriação do patrimônio alheio, com interferência na relação jurídica civil do depósito e no direito fundamental de propriedade dos titulares dos valores depositados.

Ou seja, a utilização dos depósitos para os pagamentos representaria uma apropriação do dinheiro alheio, sem consentimento. A pessoa que fosse parte no processo onde ocorreu o depósito, ao ganhar, dependeria de dinheiro disponível para ser paga. Isso atrasaria a duração do processo, prejudicaria o acesso à Justiça e atentaria contra a propriedade privada.

Por tudo isso, segundo a PGR, a Constituição seria violada em cinco pontos:

  1. Divisão de funções (o Poder Executivo faria uso de valores sob a tutela do Poder Judiciário);
  2. Direito fundamental de propriedade (pois a apropriação seria feita sem o consentimento dos titulares dos depósitos);
  3. Direito fundamental de acesso à Justiça (representa o direito a um processo justo, efetivo e de duração razoável);
  4. Princípio do devido processo legal (garantias que limitam os poderes do Poder Judiciário, evitando arbitrariedades);
  5. Princípio da duração razoável do processo (direito de que não ocorram atrasos injustificados).

 

Decisão do STF

 

Para o STF, a Lei Complementar 151/2015 e a EC 94/2016 possuem destinatários diferentes. Enquanto a primeira seria aplicável ao “regime geral” de precatórios, a segunda seria destinada ao “novo regime especial”.

Assim, o STF determinou que a LC 151 deve continuar em vigor, aplicando-se a todos os no regime comum.

Com relação à EC 94, o STF afirmou que a mesma não ofende a Constituição. Entretanto, a mesma não é autoaplicável. A referida emenda será aplicável somente ao regime especial, mas depende de sua regulamentação pelo CNJ. Enquanto o CNJ não fizer tal regulamentação, será possível que os próprios Tribunais de Justiça Estaduais tomem essa iniciativa.

Em respeito à polêmica levantada pela PGR, foi afirmado que só seria caracterizada a apropriação da propriedade dos particulares se a utilização dos recursos fosse ocorrer indefinidamente. Entretanto, segundo o STF, a EC 94/2016 seria meramente um “instrumento de financiamento temporário”. Assim, seria assegurado que os valores fossem devolvidos até o fim do regime especial, em 2020, garantindo legalidade à emenda.

 

Resultado da discussão

O tema explorado envolve diversos conhecimentos e debates jurídicos, sendo de alta complexidade. Não é à toa que diversas entidades jurídicas, como PGR, STF e OAB têm discutido o assunto ultimamente.

Com o objetivo de trazer os principais aspectos da discussão da forma mais acessível possível, foi necessário não apenas realizar simplificações. Assim o debate é concentrado nos tópicos mais pertinentes, por vezes ocultando outras questões paralelas igualmente relevantes.

Esperamos, assim, ter esclarecido o tema geral proposto, acrescentando ainda algumas definições importantes. Dessa forma, é altamente recomendável que os interessados busquem aprofundamentos sobre temas específicos abordados no texto.

 

 

 

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