A ORIGEM DOS PRECATÓRIOS
Funcionando como o regime de pagamentos da Fazenda Pública Brasileira, os precatórios representam um instituto tipicamente nacional, com alguns autores inclusive chamando o modelo de “figura tupiniquim”. Entretanto, seu funcionamento passou por diversas transformações ao longo do tempo, até chegar ao sistema em vigor atualmente. O estudo de suas origens e evolução facilitam a compreensão de um tema que possui grande relevância no contexto brasileiro.
Conceito e antecedentes
A palavra “precatório” tem origem latina, derivando do termo “deprecare”, e significa requisitar algo. No Brasil, os precatórios representam um regime especial de pagamento de dívidas destinado aos débitos da Fazenda Pública. Nesse sentido, o CNJ os conceitua como “requisições de pagamento decorrentes da condenação de órgãos e entidades governamentais – denominados Fazenda Pública – em processos onde não há mais possibilidade de apresentação de recurso contra a sentença”.
Entretanto, este regime nem sempre esteve presente no ordenamento jurídico nacional. De fato, a primeira Constituição Brasileira, de 1824, não fez qualquer menção à forma de cumprimento das obrigações do Estado. Assim, não foram feitas distinções entre as formas de pagamento do Estado e de particulares. O que basicamente fazia com que orientações adotadas durante o período colonial continuassem válidas.
A necessidade da instituição de um regime diferenciado de pagamentos para a Fazenda Pública foi evidenciada com a determinação de que bens públicos são impenhoráveis. Ou seja, para resguardar as atividades do Estado, seus bens não podem ser apreendidos para a garantia de uma dívida. Ao contrário do que ocorre com pessoas físicas e jurídicas. As razões para esse procedimento diferenciado ficam claras pelos ensinamentos do tributarista Ocino Batista Santos:
“Quando alguém do povo, um mortal comum, é devedor, a justiça dispõe de meios próprios para executá-lo, consignando-lhe prazo para saldar o débito ou apresentar bens a serem penhorados (art. 652 do CPC e art. 882 da CLT). Entretanto, em se tratando da Fazenda Pública Nacional, Estadual ou Municipal, este procedimento não pode ser levado a efeito, uma vez que os bens públicos são, em regra, imprescritíveis, impenhoráveis e não sujeitos a oneração.”
Assim, era necessária alguma garantia que evitasse a inadimplência do Estado. Embora a Constituição de 1891 não mencionasse diretamente um “regime de precatórios”, foi seguida pelo Decreto nº 3.048/1898, que estabeleceu:
Art. 41. Sendo a Fazenda condenada por sentença a algum pagamento, estão livres de penhora os bens nacionais, os quais não podem ser alienados senão por ato legislativo.
A sentença será executada, depois de haver passado em julgado e de ter sido intimado o procurador da Fazenda, se este não lhe oferecer embargos, expedindo o juiz precatória ao Tesouro para efetuar-se o pagamento.
Precatórios em outras constituições federais
O Decreto de 1898 foi o primeiro a mencionar o regime de precatórios na legislação brasileira, conferindo natureza judicial às dívidas da Fazenda Pública. Entretanto, os pagamentos ainda dependiam de autorizações pelo Congresso e da intermediação de órgãos administrativos. Foi apenas a Constituição de 1934 que previu que esses débitos deveriam ser incluídos no orçamento federal, determinação mantida pela Constituição seguinte, em 1937. A partir de então, todas as Constituições manteriam o sistema de precatórios trazido pela Carta de 1934. Mas as constituições posteriores sempre traziam algumas mudanças pontuais.
O avanço trazido pela Constituição de 1946 diz respeito à inclusão das Fazendas Estaduais e Municipais no regime de precatórios. Contudo, a existência de créditos destinados à quitação desses títulos continuava sob a decisão da Administração Pública.
Essa questão foi modificada pelas Constituições elaboradas durante o regime militar. Tanto a Constituição de 1967, quanto a de 1969 estabeleceu o critério de pagamentos utilizado até hoje. Assim, os débitos referentes a precatórios incluídos até o primeiro dia do mês de julho deveriam ser pagos até o final do ano seguinte. O Poder Executivo ficava obrigado a incluir no orçamento a verba necessária ao pagamento desses valores, como se percebe no parágrafo 1º da Carta de 1934:
- 1º – É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento dos seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até primeiro de julho.
O Regime Atual
A Constituição brasileira atual definiu os moldes do regime de precatórios em vigor. Seu artigo 100, combinado com os parágrafos seguintes, tratou do funcionamento do sistema com bem mais detalhes que as constituições anteriores, incluindo os avanços surgidos anteriormente.
Assim, manteve a obrigatoriedade de previsão orçamentária para créditos incluídos até primeiro de julho. O que é aplicável às esferas federal, estadual e municipal, assim como a necessidade de respeito a cronologia. Ou seja, os créditos devem ser pagos segundo sua ordem de apresentação. Mas sempre respeitando os créditos preferenciais previstos no parágrafo 2º. Lembrando que a prioridade em precatórios é concedida a idosos e portadores de doenças graves.
Ademais, estabeleceu a distinção de tratamento aos créditos de natureza alimentar, definidos no próprio texto constitucional, nos seguintes termos:
- 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.
Vale ressaltar que o texto constitucional original passou por algumas modificações até chegar à redação que conferimos hoje. As Emendas Constitucionais nº 30, 45, 62 e 94 fizeram alterações ou acréscimos ao texto, aperfeiçoando as características do sistema.
Relevância do debate
Como percebemos, as características gerais do regime de precatórios não são tão complexas. Entender a peculiaridade do sistema brasileiro e sua evolução ao longo da história nacional auxilia na compreensão de como o sistema mudou até chegar ao modelo atual. Ademais, facilita a percepção dos motivos que levaram a cada modificação, que ainda não cessaram. As emendas constitucionais já promulgadas e outras ainda em debate sobre o tema demonstram seu constante desenvolvimento.
Pelo sem número de precatórios emitidos no Brasil e o estigma dessa palavra, vale a pena entender melhor o assunto. Assim como os procedimentos necessários para receber créditos provenientes da Fazenda Pública.
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